Guarulhos e os Maromomi - a tribo com os olhos para o céu
quarta-feira, 2 de abril de 2014
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Que passados justificam seu presente? - Juliana Seabra
Minha
presença física é culpa de algum alguém no qual tenho consciência a partir de
minha bisavó. E só. Antes dela, só com ela e embaixo da terra, ou à essa
altura, dentro de gavetas.
A história que me ensinaram na
escola, desconheço, na verdade, mal me lembro. À parte de mim. Não me
reconheço. Não vivi.
Do presente que acho que sei, é pelo
que sinto, ouço, vejo e vivo.
Saber que vivo num país que foi se
enrolando em desenvoltura, e que sou fruto desse rolamento... sobre essa
reflexão, é tentar se encontrar num montante de desaforos históricos, no qual
sou apenas uma das fezes humanas, que de tanto cheirar, foi-se o cheiro. E a
cada santo dia que me evacuo para tentar sobreviver aqui, tem uma série de
desgraçados a tentar me moldar. No entanto, me camuflo na minha forma para não
caber nas fôrmas.
Falar de história, ciências,
tecnologia, política, sociedade, é superficial para essa questão. Já existem
enciclopédias o suficiente abordando claramente esses temas.
Meu presente não tem laço vermelho,
nem caixa, nem papel colorido.
Meu passado não passa nada, nem à
mão, nem com ferro quente. Não passou! É presente o tempo todo, mas volto a
afirmar... Sem laço!
Mas, nesse meio termo, me deparo com
a nostalgia, e nesse canto, confesso pisar.
Saudade do que não vivi, falta do
que não tive, e, no entanto, aqui estou.
Nada justifica nada, apenas
desencadeia. Conseqüência.
Faço parte de hoje, e daí?
Se tiver sorte, quem sabe um dia,
talvez se, se prestarem a escrever algo biográfico sobre meus pobres feitos,
daí terão uma vaga e superficial ideia do que gerou eu.
Agora, confesso... Não sei. É muita
coisa ao mesmo tempo. Muita informação latente à gerar conhecimento. E eu? Não
sei...
Um “Jardim das delícias”? Talvez...
Ou, um “Almoço na relva”?
Oh... Que ironia européia.
As noites são belas + Escrita de si - Camila
Olhar cristalizado para o
alto. Aponta. Baila os dedos a alcançar aquilo. Anda. Estica mais e mais, nas
pontas dos pés. Respiração quase forçada a pulsar nas pontas dos dedos. Estica
mais. Arrebenta e cai.
Espatifa-se desajeitada de cara na corda. Respira agonia.
Empunhá-la e pula. Com passos cansados, foge e pula. Olhar esbugalhado a
desesperar meu Eu. Foge sem sair do lugar. Ensimesma-se em mim e sem bailar,
continua, ofegante, desesperada na busca. Joga!
E arrasta a corda em cobra. Roda, levando tudo o que
estiver no caminho. Pele vermelha de sangue quente. Minha pele. E desiste.
Maldita corda no rosto, esfrega em laços desordenados no cansaço da face. Sinto
o roçar áspero no desespero. E fala. Vomita inquirições cotidianas. A corda em
que pulava e atacava o ar a ferir os pés, a mesma que em cobra dançava entre o
chão e o vento, agora é terço.
E, alonga o terço e conta as contas numa Ave Maria
sufocante. A tragédia está posta. O corpo orgânico agora fincara-se na palavra
e gorfa a vida dada. Fere. Corre e como corre.
Mastigo aquele corpo e aquelas agudas palavras, que são
minhas também, em outra forma na mesma fôrma. Abandona o teço cobra-corda.
Objeto a objetivar-se ofegante na busca por uma direção.
Estamos
todos na mesma piroga. Mas me parece que, ainda faltam remos, mas nesta, usamos
o que temos, os braços e as pernas, com os olhos sempre voltados.
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Analogias e Escritas Camila
Cena 1 – Apresentar
o fato: Aldeamento
(Pág. 100) A
missão e a igreja devem ter sido construídas seguramente na colina onde hoje se
encontra o centro da cidade de Guarulhos, entre os anos de 1605 e 1606. A
capela, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, passou a designar o aldeamento.
Essa fundação foi o coroamento dos trabalhos do Padre Manuel Viegas.
(Pág. 92) Para
entender a experiência do aldeamento missionário junto ao povo Maromomi, chamado
mais tarde de Guarulho, é preciso situá-lo não apenas cultural como também
geograficamente. Por terem vivido pouco tempo aldeados (cerca de 60 anos) pouco
também se escreveu sobre eles. Mas é possível levantar essa curta trajetória
que resultou na fuga desses indígenas e no seu rápido desaparecimento.
(Pág. 99)
Depois da expedição punitiva, feita pelos paulistas contra os Tupi do sertão em
1592, esses mesmos paulistas passaram a atacar grupos menores, como os Maromomi
e Guaianá (...) Diante das pressões por mão-de-obra escrava, os jesuítas de São
Paulo pediram em 1604 ao Superior Geral da Companhia de Jesus a autorização
para fundar com urgência uma missão junto ao povo Maromomi. A resposta foi
favorável, recomendando-se que se construísse a missão em lugar seguro ao
abrigo de ataques dos índios, para não ter que abandoná-la depois, em prejuízo
dos mesmos.
(Pág. 100) O
aldeamento aos poucos foi se firmando. O governador das capitanias do Sul,
Salvador de Sá, quando esteve em São Paulo por volta de 1640, relata que ali
viviam cerca de 800 famílias indígenas.
Cena 2 – Expor os Maromomi; que passados justificam o fato
(Pág. 93)
Esses indígenas ocuparam uma vasta região litorânea, desde São Sebastião no
litoral norte paulista até o norte do atual estado do Rio de Janeiro (...) Por
serem coletores, vivendo no litoral, é possível que tenham sido remanescentes
das populações dos sambaquis que ocuparam a costa antes de nossa era. Com a
chegada dos povos tupis ao litoral, a partir do século XIV, os Maromomi foram
empurrados para o interior, indo viver nas regiões da serra da Mantiqueira,
onde havia abundância de pinhão e sapucaia, frutas muito apreciadas por eles.
(Pág 94)
Diferentemente dos povos Tupi, não praticavam a antropofagia (...) “Têm muitos
e mui vários jogos, os quais realizam em terreiros abertos, ganhando e perdendo
arcos e outras coisas que usam. Nisto são os únicos, pois nenhum indígena dá
importância para jogo algum.
(Pág. 93)
Foram os jesuítas os que melhor os conheceram e mais escreveram sobre a vida desse
povo andarilho. “Andavam de mato em mato, caçando, colhendo frutas e mel
silvestre, que abundam nessas montanhas” (...) Não construíam casas, mas
simples abrigos. “Dormem no chão, ou quando muito sobre folhas de árvores e
contentam-se com terem os pés voltados para o fogo”.
(Pág. 97)
“Esta gente está aqui muito perto de São Vicente, e já algumas de suas filhas e
filhos estão com os brancos e alguns já são cristãos e se confessam já na
língua desses nossos indígenas que se chamam tupim”.
Cena 3 – Expor os Jesuítas: verdades e
contradições
(Pág 98 e 99)
A maior parte dos índios, naturais de Brasil, está consumida, e alguns poucos,
que se hão conservado com diligência e trabalhos da Companhia, são tão
oprimidos, que em pouco tempo se gastarão.
(Pág. 97)
Nessa terra, quem sabe a língua dela é teólogo. E muitos padres, que vêm de
Portugal teólogos, nos dizem que se pudesse ser, dariam metade de sua teologia
pela língua [indígena]. E eu digo a V. P. que não daria a minha língua
[indígena que aprendi] por toda a sua teologia, e folgaria que eles ficassem
com a sua teologia e soubessem também a língua.
(Pág 96)
Apesar de toda dedicação do Padre Viegas, a missão não se concretizou, pois com
a ida de Anchieta para a Bahia, em 1577, o Padre Antônio Ferreira que o
substituiu em São Vicente, não concordou com esse trabalho itinerante daquele
missionário, que o deixava muito tempo fora do convento.
Havia conflitos de visões entre
os jesuítas da época: uns, como Anchieta, privilegiavam a vida missionária,
mesmo em detrimento da vida conventual, e outros, como Antônio Ferreira,
privilegiavam essa, em detrimento daquela. O Padre Viegas soube aguardar o
momento propício para a retomada de seu projeto missionário. Ia conquistando
aliados, como foi o caso do próprio Padre Geral, Claudio Aquaviva.
(Pg 97) O
retorno às visitas aos Maromomi, que deve ter ocorrido já em 1586, não
significou no seu imediato aldeamento. Havia escassez de missionários que
pudessem assumir uma nova missão.
(Pág. 97)
(...) Porque saiba V.P. que muito poucos a queriam aprender e saber e dar-se a
ela; tudo era darem-se às letras e serem pregadores dos portugueses, e subir ao
púlpito a pregar aos brancos e não se lembravam desta pobre gente de lhe pregar
em sua língua.
Vê-se que a inserção na cultura local
não era um ponto tão pacífico para missionários que haviam se empenhado na
conquista portuguesa do Brasil. Ainda a evangelização dos colonos parecia, para
alguns, ser mais importante que a evangelização das populações nativas.
(Pg. 95) A
história do contato com os Maromomi insere-se numa segunda fase da Companhia de
Jesus no Sudeste, o que chamaria de fase pastoral-profética, que substituiu a
fase guerreira. (...)Diante do insucesso em algumas regiões, os jesuítas
passaram da palavra aos atos. Anchieta e muitos outros missionários
participaram efetivamente de várias campanhas militares contra indígenas e
contra franceses, num pacto entre a cruz e a espada, sem dizer das longas
negociações para os tratados de paz entre portugueses e nativos, como o tratado
de paz de Iperoy (Iperoig).
Cena 4 – Expor a relação dos contrários: Maromomi e Jesuítas
(Pág 94) “Essa
gente é muito boa, amigável e tem boa inclinação”, dizia o Padre Manuel Viegas.
(Pág 96)
Andava em busca deles para os ajuntar e ensinar, por serras, campos, vales e
praias; levava à [sua] casa os filhos deles pequenos para que aprendendo a
língua geral [do povo Tupi], depois lhe servisse de intérpretes. Venceu muitas
dificuldades, sofreu muitas contradições e incomodidades nesta santa obra, por
lhe dizerem que trabalhava em vão, por ser gente que anda sempre inquieta, sem
se ajuntar em aldeia.
(Pág 94)(...)
“Falam com muita pressa, e na pronunciação se parecem com os espanhóis. A
linguagem que usam é muito dificultosa: não há entende-los”.
(...) Padre Manuel Viegas o maior conhecedor desse idioma. Chegou a
traduzir
para essa língua o catecismo
tupi, usado nos aldeamentos, e concluiu a gramática iniciada por Anchieta. Infelizmente,
tanto a gramática quanto o catecismos se perderam com as perseguições de que
foram alvos os jesuítas de São Paulo, expulsos do planalto duas vezes.
De
todo esse trabalho restaram apenas duas palavras maromomi. Numa carta de 1585,
onde relata os contatos com esse e outros povos que lhes eram aparentados,
Viegas escreve: “Já tem conhecimento e notícia dos padres, a quem eles chamam
are, e a Deus chamam Nhamãn Nhaxê muna”.
(Pág 97) (...)
Agora todos os que são para isso [isto é missionários] se dão a saber a língua,
e desta maneira haverá agora muitos línguas na terra e os índios não perecerão
à míngua de línguas [isto é, de pessoas que falam a língua indígena], porque
nós os línguas antigos já somos velhos, e é necessário que venham outros em
troca e lugar de nós.
(Pág. 100)
Ensinam-lhes os padres todos os dias pela manhã a doutrina e lhe dizem missa
para os que a quiserem ouvir antes de irem para suas roças; depois disto ficam
os meninos na escola, onde aprendem a ler e a escrever e outros bons costumes
pertencentes a civilização cristã; à
tarde tem outra doutrina particular a gente que toma o santíssimo sacramento.
Cada dia vão os padres visitar os enfermos com alguns índios escolhidos para
isso.
(Pág. 104) Não
se pode esquecer igualmente que a vida útil de um indígena era muito curta –
entre seis a nove anos – pois muitos morriam de gripe, peste, varíola e outras
doenças de origem europeia, para as quais não possuíam imunidade.
(Pág 100) Os
padres incitam sempre os índios que façam sempre as suas roças e mais
mantimentos, para que, se for necessário, ajudem com elas aos portugueses por
seu resgate, como é verdade, que muitos portugueses comem das aldeias, por onde
se pode dizer que os padres da Companhia são pais dos índios assim das almas
como dos corpos.
(Pág 103) (...) O aldeamento não interrompeu a
escravização de indígenas Maromomi e a intromissão no próprio aldeamento, como
se vê na sessão de outubro de 1608 da Câmara de São Paulo:
A notícia lhe
era vindo que os moradores e vizinhos desta vila faziam muitas avexações [isto
é, maus tratos] aos maromomis indos à suas aldeias contra os mandados e penas
que sobre isso eram lançados, e lhes tomavam suas filhas e filhos contra suas
vontades e outros agravos [isto é abusos] de que eles se queixavam e,
outrossim, algumas pessoas vinham a esta vila se apoderavam de índios que pelo
caminho achavam aposentados [isto é, aldeados] como sejam ao longo desse rio
Anhembi o que era em muito prejuízo desta terra [...] porque se se tornassem a
levantar seria muita perda desta capitania, como é notório pelo que lhes
requeria em nome deste povo mandassem prover nisso.
Cena 5 – Revelar os Paulistas
(Pag.98) A
pacificação da costa, com o aumento de engenhos de açúcar, levou a um aumento
da escravização indígena, com as entradas ao sertão feitas por baianos e
paulistas.
(Pág. 98) Vão
os portugueses 250 e 300 léguas buscar esse gentio por estar já mui longe, e
como a terra está já despovoada, o mias deles lhes morre pelo caminho à fome, e
alguns portugueses houve que tomando pelo caminho algum gentio contrário
daqueles que trazem, o matam e lhos dão a comer, para com isso os sustentarem.
Todo esse gentio que tem chegado ao mar, vendo que lhes não guardam o que no
sertão lhe dizem, mas antes são todos apartados uns dos outros, como acima vai
dito, uns fogem, e se vão meter em matos, onde nunca mais aparecem, outros se
deixam morrer de tristeza e nojo [isto é, luto], vendo-se escravos, sendo eles
livres.
(Pág.104)
[Os paulistas] se serviam dos índios pela manhã até a noite, como fazem dos
negros da Guiné. Nas cáfilas [isto é, caravanas] de São Paulo a Santos, não só
iam carregados como homens, mas sobrecarregados como bestas de carga quase
todos nus ou cingidos com um trapo, e com uma espiga de milho como ração de
cada dia.
Cena 6 – Mostrar o peso da Coroa Portuguesa
(Pág 95) Os
primeiros jesuítas empenharam-se de corpo e alma na conquista lusitana,
adotando atitudes quase que militares, como se pode ver nessa observação do
Padre Nóbrega ao Provincial de Portugal e que foi transmitida ao Governador
Geral do Brasil:
Este gentio é
de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição. E se a Sua
Alteza quer ver todos convertidos,
mande-os sujeitar e deve fazer estender aos cristãos pela terra adentro e
repartir-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e
senhorear, como se fazem em outras partes de terras novas.
Na primeira
fase estava em jogo o sucesso da missão, que dependia fundamentalmente do
sucesso da colonização portuguesa.
A história do
contato com os Maromomi insere-se numa segunda fase da Companhia de Jesus no Sudeste,
o que chamaria de fase pastoral-profética, que substituiu a fase guerreira.
(Pág. 102) O
estabelecimento da missão dos Maromomi foi, de certa forma, um ganho para a colônia portuguesa. O
jesuíta Fernão Guerreiro escrevia na época: “Os Maromomins antes eram contra os
Portugueses; e depois, com a intervenção dos Padres, têm igrejas e ajudam os
brancos”.
(Pág. 105 e
106) (...) A Câmara, alguns dias depois, faz nova sessão e “se escrevesse[...]
que não consinta lá os índios e índias Goarulhos de Sua Majestade, e que os
mande para suas aldeias antigas desta vila porquanto são necessários ao serviço
de Sua Majestade”.
Vê-se que
nessa data o aldeamento continuava sendo dirigido por civis, tornando-se um
Aldeamento Real, isto é, de responsabilidade do rei, sendo seu dirigente
nomeado de Sua Majestade. Como o frade não deve ter concordado com tal
determinação, os camaristas vão exigir sua saída imediata, expulsando-o, e
acusando-o de “amotinar índios goarulhos” que viviam no aldeamento de Nossa
Senhora da Conceição. Pela primeira vez aparece nas Atas o nome explícito do
Aldeamento.
Cena 7 – Escancarar a deficiência múltipla dos
órgãos: Maromomi, Jesuítas, Paulistas e Coroa (efeito cascata).
(Pág 99)
[...} Porque bem se deixa ver e os portugueses
assim o confessam, que sem eles mal se poderá conservar este Estado do Brasil.
Depois
da expedição punitiva, feita pelos paulistas contra os Tupi do sertão em 1592,
esses mesmos paulistas passaram a atacar grupos menores com os Maromomi e
Guaianá. Por isso, em 1593, a Câmara de São Paulo censura essas entradas e
ameaça com multa pecuniária e várias penas os que fossem negociar com os
Maromomi.
(...)
Com essa ordem não deve ter obtido resultados, pois as expedições escravistas
aumentaram. (...) Os paulistas montam um verdadeiro comércio de escravos não só
para as lavouras do planalto, como também para os engenhos de açúcar do
litoral.(...) Os próprios moradores da capitania reconhecessem “que os
portugueses são homens de pouco trabalho, principalmente fora de seu natural
[ambiente]”.
(...) Estas
expedições foram tão numerosas que, em 1604, a Câmara relata que ficaram na
vila apenas seis homens.
O trabalho do
Padre Viegas continuava, mas de forma lenta.
(Pág. 101)
Alguns anos depois, com a expulsão dos jesuítas de São Paulo, o aldeamento
entraria em crise, com a fuga em massa de quase todos seus moradores, como que
veremos adiante.
(Pág. 102) Se
o aldeamento correspondeu a uma expectativa da colônia – pacificação indígena
-, frustrou o projeto missionário que acreditava que as missões seriam um
refúgio para as comunidades indígenas contra a escravização reinante.
(...) Carvalho
Franco, que estudou a vida dos bandeirantes de São Paulo, afirma que em 16212
Geraldo Correia Sardinha descobrira ouro de aluvião no rio Maquirobu (Baquirivu)
que cortava as terras indígenas dos Maromomi, estabelecendo aí um garimpo que
levava o seu nome.
(...) Uma ata
da Câmara de São Paulo faz alusão a esse assédio, como se vê numa reclamação de
Diogo de Quadros, que se queixava da falta de mão-de-obra:
De um ano a
esta parte até hoje não tivera das aldeias mais do que oito índios que lhe dera
Antônio Roiz, capitão dos marmemis [isto é, Maromomi], dois índios em 9 de
julho e 5 de agosto da aldeia dos índios marmemis que lhe fizeram três arrobas
de carvão pela qual razão deixou de fazer quantidade de ferro.
Esse Diogo de
Quadros foi “mineiro”, isto é, técnico em metalurgia, mandado pelo rei de
Portugal para montar fornos para fundição de ferro (...) A história paulista
relata que ele se dedicava muito mais em financiar expedições para ir ao sertão
buscar indígenas do que em trabalhar o ferro.
(Pág. 103) Os
ataques dos paulistas contra as missões jesuíticas do Paraguai levaram aqueles
missionários a denunciar a violência dos traficantes de escravos paulistas e a
conseguir do papa Urbano VIII um documento que determinava excomunhão para os
que escravizassem pessoas e para os padres que não denunciassem tal prática.
Devido à promulgação desse documento em São Paulo, os jesuítas foram expulsos
em 1640, de forma humilhante, tendo sido suas missões e propriedades invadidas
e confiscadas.
(...) Os
aldeamentos passaram a ser dirigidos por administradores civis que mais se
preocupavam com seus próprios interesses do que com os interesses indígenas.
(...) os moradores
da vila “estavam roçando nas terras dos índios e botando-os fora delas,
fazendo-lhes grandes danos com suas criações assim gado vacum e
cavalgaduras(...) todo o gentio (indígena) estava dividido e fora da aldeia.
(Pág. 104) A
saída dos jesuítas facilitou a repartição dos indígenas entre os moradores,
sendo submetidos a trabalhos forçados nas fazendas, nas entradas para o sertão
e como carregadores.
Frente à
escravização, os Maromomi tiveram três atitudes: aceitar como um mal
inevitável, reagir de forma violenta ou fugir para o sertão. (...) Muitos reagiram de forma violenta (...)
Em 1652 na fazenda de João Sutil de Oliveira, todos os não-índios foram
assassinados e destruídos os bens da propriedade (...) Em 1651 numa fazenda
perto de Itu, onde Guarani e Guaianá “não deixaram coisa viva que não
destruíssem, matassem ou comessem” (...) Em 1660, a Câmara de São Paulo fala de
nova rebelião envolvendo Guarulhos, sem precisar a localidade, quando três
fazendas foram incendiadas e seus donos assinados.
(Pág 105) Uma
outra atitude foi a fuga. As fugas deviam se suceder, pois já não havia mais
nenhuma vantagem em permanecer aldeado.
(...) Fugidos
mais para o interior, talvez para além da Mantiqueira, esses indígenas
continuavam sendo “caçados” e levados de volta para o aldeamento ou para as
fazendas paulistas.
(...) Pedem a
Antônio Lopes de Medeiros, capitão da aldeia dos Guarulhos, que “pusesse cobro”
à fuga desses índios “que vão despejando da dita aldeia de Nossa Senhora da
Conseição [...] e se vão passando para Cajusara ou Atubaia [ isto é, Atibaia].
(...) Nem
todos eram insensíveis à sorte desse povo. Para a irritação dos paulistas,
ávidos de escravos, havia um certo Frei Gabriel, capuchinho, “que está em
Atubaia”, defendendo os indígenas.
Cena 8 – Reverberar a inquietação que não
ressoa.
(Pág 106)
(...) Talvez, se não tivessem sido aldeados, teriam sobrevivido por um tempo
maior, como os seus contemporâneos, os Puri.
De forma
nostálgica termina a história desse povo em fuga e caçado para se tornar
escravo.
A partir desse
momento deixam de existir referências sobre os Maromomi, agora chamados
Guarulhos. O silêncio sobre eles não significa que deixaram de existir, mas que
seguramente se dissolveram na população indígena desaldeada que povoou São
Paulo seiscentista ou que se tornaram tão insignificantes que não merecessem
registro algum.
Analogias e Escrita Juliana Seabra
1º -
Entardecer, estranhamento: Aldeamento.
2º -
sensação de violação espacial. Mudança de impossibilidade física e moral.
Flagelação da identidade e da cultura. Madrugada da primeira noite do
aldeamento.
3º -
Desde que os jesuítas chegaram, houve certa euforia e medo. Trouxeram uma
verdade fria e cega. A ditadura da Grande Profecia se dá na perseguição e
condição imposta religiosa, acoplada na desgraça amaciada pela ilusão da
liberdade no reencontro com a natureza, agora divina. Fazer o quê? Confiar no
paraíso ilusório, pós-morte e esperar! O receio maior é saber da espera
ilusória do conformismo nos mais velhos...
4º -
Mesmo sendo uma pobre tribo nômade, a última deste povo, pobre de história em
fato, esta é e está informada nas regras e normas dos aldeamentos. Sabem sobre
o Cristo mascado, digerido, porém indigesto. As criaturas angelicais louras e
brancas européias entre 1200 a 1500 e além, agora têm asas de papel, possuem
cor de terra e canta em latim com um sotaque linguístico do tronco macro-jê.
Essa é a rotina, nos filhos... tornamo-nos por ora curiosamente permissivos.
5º -
Muitas foram às voltas do pensamento cristão, as cartas, os diálogos, até se
firmarem num “jeitinho” e força convincente para tornar-nos confusos, passivos
e pseudo-salvos. Conseguiram! Neste momento surge um breve pensamento: o que
restará?
6º -
Consciência na forma de vida do aldeamento. Aprendemos a falar no Deus deles,
quase com apropriação, mas ainda andamos descalços. Usamos as roupas que nos
fizeram, ensinaram e forçaram. Caçamos! Apesar das novas ferramentas para
aumentar o excesso em rapidez sobre a caça e o fruto... Tornamo-nos escravos!
Origem de índio escravo. Uma nova língua, tudo junto misturado. Comunicação em
atropelo, semiologia com objetivo claro: dominação cristã.
Se não ativarmos uma
consciência intelectual numa luta sábia contra a alienação insana cristã, o que
será do mundo após o ano 2000?
A instituição
Cocodobelodeusation, reina desde a época em que fomos chamados de gentil,
ora... no sentido servil, isso sim!
7º -
Cai a ficha. Depois de sessenta anos de aldeamento, na perda total da
identidade Maromomi ou numa liberdade dizimada? Não há mais graça que os
cristãos possam fazer agora, as coisas tomaram outra proporção. Não
confeccionamos nada alem de mão de obra escrava e geramos algumas breves
escritas superficiais... Rastro apenas.
8º -
E eu, até hoje, observo, presencio e vivo na proliferação vermicida cristã - a
limitação intelectual. É política,
religião, instituição, potencia, um tal de amor, enfim, a asfixia racional na
história mundial entre todos os tempos. Estamos e sempre estivemos a mercê
entre o céu e o inferno. No entanto, encontramo-nos no meio, no meio termo. Se
não expelirmos minimamente a alienação deusística, permaneceremos sempre
imersos nessa lama de lamentação e eu e vocês seremos efetivamente a história
Maromomi, na carne viva e sem poesia.
Analogias e escritas Renata Konsso
1: "Utopia da construção de uma
cristandade imune dos vícios da colonização"
Desde
sempre cada um olhando para seu próprio umbigo. Não querem ajudar, todos querem
tudo. Homens atravessam o mar, buscam poder, político, religioso, em nome de
Jesus! E os homens nus se encontram num impasse: 'Se correr o paulista pega. Se
ficar o jesuíta come (sua cultura, seu Deus). Entre morrer ou tentar, me parece
que escolheram morrer tentando.
2.1 e 2.2: "O aldeamento
não interrompeu a escravização de indígenas maromomi e a intromissão no próprio
aldeamento"
Diz respeito? Não? Desrespeito.
Fico tentando imaginar o estupro sofrido. Anos de cultura pisoteada,
trancafiada em caixas e jogadas ao mar. Uma hora estamos nos preparando pra
cena, aquecendo os corpos pra expor idéias... Chega um Amarildo e nos trata
como índios. Ignorando qualquer ritual.
2.3: "Para além das
tribos. A Chegada das armas de fogo"
Os perigos sempre existiram, mas antes eram conhecidos. Prejudicial e
alheio... Em quem confiar? Em meio a egos e necessidades. Confiar na sabedoria,
se nada é sabido?!
3.1: "Gente sempre
inquieta"
A chegada de homens dispostos a defender pode ter sido um alívio, mas o
fato de quererem empregar uma nova língua, um novo Deus, levarem seus filhos
pra longe de sua cultura... Me angustia.
3.2 e 3.3: "Brancos X
Brancos"
Havia conflitos de visões entre os jesuítas. Havia denuncias de jesuítas
contra paulistas. Revoltas de paulistas contra jesuítas.
Enquanto isso, talvez os maromomi tinham um pouco de paz.
4: "As letras em
todas partes são muito necessárias e mais numas partes que noutras... Mas pra
cá para essa gente do Brasil, poucas letras bastam"
Leio esse trecho, releio...
Primeiro pensei em ingenuidade. Depois no quanto estava sendo ingenua,
ou pior: corrompida. Sabiam o que precisavam saber. Que igrejas seriam
proliferadas, como uma praga. Só os fortes sobreviverão.
5: "Melhor morrer
que deixar de viver"
Sempre pode piorar! Não basta ceder, abrir mão de sua cultura, se vestir
'adequadamente', se limitar.
Sem a ajuda dos jesuítas, que era quase nada, e de suas 'boas ações'
para salvarem as alminhas, existia uma guerra permanente. Violência, abuso,
morte. Os paulistas, os jesuítas, a coroa, os franceses... Problemas maquiados.
Sempre em prol da vontade do outro. Trocas. Missionários que te
protegem em troca de fé e obediência. Mas é claro! A busca por poder enoja.
Mas e os índios? Pelo menos eles, só queriam a paz e suas terras. Ou
será que os espelhos eram muito interessantes?
6.1: "Consciência
da impessoalidade"
Provavelmente não tinha nada a ver com bondade e salvação. O que uma
tribo pequena, andarilha, sem terras, teria a oferecer, se não suas vidas,
para serem entregues a Jesus? Para alguns, comida. Para outros, mão de obra escrava.
Ao menos os jesuítas só queriam suas almas. Não, pera...!
6.2: "A saída dos
jesuítas facilitou a repartição dos indígenas entre os moradores, sendo
submetidos a trabalhos forçados nas fazendas, nas entradas para o sertão e como
carregadores"
Sistema, produto, número. Num dia você é gente, no outro é bicho e aí te
etiquetam e usam como acham necessário.
Ainda hoje é assim, só que agora, generosamente, temos horário de
almoço.
7: Preparando o levante
"Frente à escravização, os maromomi tiveram 3 atitudes: aceitar
como um mal inevitável, reagir de forma violenta ou fugir para o sertão. A
aceitação deve ter sido vista como uma forma de sobrevivência. Mas seguramente
foi uma minoria que optou por essa saída"
8: "Pouca coisa restou do passado desse povo, que não deixou nenhum
topônimo, exceto o nome da cidade que foi sucedâneo da missão que os defendeu
da fúria dos paulistas. Talvez, se não tivessem sido aldeados, teriam
sobrevivido por um tempo maior, como seus contemporâneos, os puri"
Tantos, velhos e sábios ou não, que cederam a alienação. Maior que a
igreja, só o dinheiro. Agora uma breve canção:
'O dinheiro é verdade, a verdade é dinheiro... isso tudo cê já sabe, ô
lelê. Falta só você dizer...'
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