quinta-feira, 11 de julho de 2013

Escrita de si por Juliana Seabra

A pele branca rosada que se apresentou a nós, veio a chocar-se como porcelana na terra queimada.
Você já experimentou jogar num chão de terra uma xícara de porcelana?
Este objeto infeliz que antes era um, apodera-se na capacidade de fragmentar-se em vários. A unidade deixa de existir. Enquanto a terra, arraigada de vida, com o peso do objeto moldado em série, fere-se, esparrama-se, mas não perde sua natureza.
O problema do ser humano é simplesmente sê-lo a forma dada.
Na infância eu era vida. Hoje não sei se sou a casca ou a ferida.
Lembro-me deste tempo, o alvorecer parecia-me mais límpido e mais colorido.
A brisa matinal, recordo-me, tocava o rosto num acalento mais acolhedor.
Hoje, especificamente hoje, está mais frio. Esse arrepio gélido na coluna anuncia que este Sol veio para ficar!
Outrora, correr sempre fora sinônimo de liberdade. Eu corria. Era o mais veloz a ponto de ensimesmar-se ao vento.
Hoje corro para fugir... Não deixa de ser liberdade!
A natureza sempre foi uma só, a mesma. E esforço-me a não perder-me de mim. Muitos já se foram...
A água não possui forma. É a base que forma-a.
Nós tínhamos uma forma. Humana, mas não contagional. Daí, trouxeram uma fôrma e nos moldaram desajeitados a base de uma cruz. Passaram por cima de nós.
Sempre violei a natureza ressignificando-a: A nuvem já foi peixe, a árvore já foi mão, eu já brinquei de Ser deuses.
Mas, pisaram em meus traços, esparramaram violentamente com os pés encardidos em pus a minha terra, fincaram milhares de cruzes e trouxeram Deus.
No começo é sempre curioso. Toda nova história é curiosa, instigante. Até habitar o medo. Daí se depara com os limites... Mais medo do homem, do que do ser invisível. E miticamente instaura-se o Medo!
Complexo e fantasioso esse Deus que não é Natureza, mas é uma criatura que está sobre tudo e é tudo em tudo por tudo. O curioso é que para se compreender o tudo, é necessário uma reflexão sobre o todo. E o todo na vida é muito para seres invisíveis darem conta. No entanto, o invisível é relativo à visão. O que fazer então com o verme da sensação da iniquidade?
O fato é que ensinaram e ensina-se a separa-se da natureza. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é o que Eles pregam. O medo é para crer no nada que é tudo.
Aí se dá essa lambança desenfreada em devaneio cristão.
O desesperador é enfastiar o pensamento elucidativo para tentar sobreviver até hoje, em que o tempo não se conta pelas horas do relógio, mas sim, a todo momento em que a natureza troca a guarda. O entardecer... então corro.
                

Escrita de si por Renata Konsso

O estupro de uma pátria
Uma pátria sem língua
Uma gente sem terra
Uma terra com frutos, sem filhos
Colapso. Esgotamento
O riso ruindo, vindo abaixo
Em meio a guerra, ao fogo
Aperta o passo
Se esconde
Mata, colhe grão por grão
Perdendo a identidade
Falta visão pra sair da prisão
Medo a céu aberto
Região. Religião. Ambição
Não são. Não podem
E eu, sem arco e sem flechas
Sendo aldeada
Moral e estéticamente
Sou estrangeira
Esquisita
Diferente
Criminosa
Insolente
Sem fé
Em tempos onde a ganância é maior que o amor...
Hoje, ontem
Em São Paulo ou na Coreia
Sempre
Quem é vítima de quem?
Em casa tem vários jesuítas
Eu sou índia
Mofando danças, crenças e deuses
Enterrada viva em meu próprio lar
Por ele, que me querem bem
Não sou. Não posso.

Escrita de si por Camila Gregório

Um corpo jogado sobre um banco. Uma criança rodopiando. Senha. Atendimento. Volta. “Tchau, tchau, Deus lhe pague”, “Viu, eu falei Deus lhe pague mamãe”.
Bombardeio. Parece que o bombardeio do início do filme de Zeitgest está se metamorfoseando, somos bombardeados todos os dias, não somos atingidos por canhões tampouco pelo fogo, mas por pessoas, instituições, governo, jornais etc. Bombardeios que talvez não atinjam o corpo, mas que vão direto a alma. Como se tudo não passasse de um grande terço, com regras, 10 ave maria, 1 pai nosso, 20 ave maria e 2 pai nosso e assim por diante. O bombardeio toma outras formas que aprisionam as pessoas em ideologias falsas que determinam regras e condutas.
Será que isto é o que se passa na minha alma? Talvez sim, talvez algo que gostaria de compartilhar com outros, não sei. Uma dúvida? Acho que as dúvidas sempre são bem vindas, mas vivemos em um mundo que parece querer abolir as dúvidas e os questionamentos, então como ter um cuidado de si sendo que a reflexão não é o hit da moda e sim “ai leque leque leque”. Este é o hit? Então tá, vou colocar no meu celular e quando você me ligar não ouvirá o tumtum... e sim “ai leque leque leque”. Deprimentemente, fomos bombardeados.
Assim também foram com os índios e os jesuítas: choque cultural de ambos os lados. Mas aqui também o bombardeio tomou outras formas, já que os jesuítas não ameaçaram os índios com uma arma de fogo, talvez fossem mais cruéis, pois ao invés de deceparem suas cabeças se apropriaram de suas cabeças, de sua cosmologia, e lhes apresentaram o Deus supremo, aquele que te olha, te vigia e que também tem uma caderneta de anotações para anotar seus pecados. E assim, o todo poderoso deus Tupan foi perdendo os seus poderes e reduzido de escala.
Vejam só:  eu já estou escrevendo o deus dos jesuítas com letra maiúscula e o deus tupan com letra minúscula. Absurdo? Não, acho que o bombardeio também me atingiu,  a ponto de me questionar se é verdade que os deuses que são apresentados em Zeitgest tenham a mesma história, levando em consideração a formação Cristã que tive. Ora pois, Tupan nunca deveria ter perdido seus poderes no imaginário indígena.

" A hora em que a natureza troca a guarda..."

"A hora em que a natureza troca a guarda..."
Primeira noite Maromomi -
Juliana Seabra